sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Um pouco de juízo


A velha está sentada em sua cadeira de balanço, ali na varanda da casa ela pode ver quem passa na rua, carros e pessoas, as crianças brincando no pátio do vizinho. Ela escuta os barulhos que a fazem lembrar de que época de sua vida está vivendo, o apocalipse! Carros buzinam, pessoas gritam, outras se xingam. As crianças não jogam mais bola, são dois meninos e cada um deles está grudado em seu smartphone, divertem-se com os corpos absolutamente inertes, mas sendo grandes campeões de futebol jogando juntos no mundo virtual.

A vida mudou, ela sabe. Não foram apenas as rugas e os cabelos brancos que lhe mostraram que o tempo passou. A sua cabeça também já não é mais a mesma. Hoje os seus pensamentos são tão diferentes daqueles que tinha com seus vinte e poucos anos. Tolinha. Isso é o que era naquela época. Tudo na vida daquela jovem era tão intenso e urgente que às vezes, por não pensar um pouco melhor nos assuntos, metia os pés pelas mãos e quebrava a cara. Mas é verdade também que toda a força com que levava a vida, lhe proporcionaram o movimento tão necessário para que do alto de seus oitenta e cinco anos, ela soubesse que não precisaria ter tido tanta pressa. Querer que o tempo passe mais rápido na sua idade é a mesma coisa que desejar se despedir mais cedo.

Nas poucas vezes em que os filhos aparecem para lhe visitar, ela avisa:

-Vão mais devagar! Aproveitem a vida, parem com essa correria. Para que trabalhar tanto, para depois gastar todo o dinheiro e então precisar trabalhar mais ainda? Aprender a viver com menos para então poder viver mais! Seus filhos estão crescendo e vocês não estão prestando atenção nisso. Olhe, que quando eles forem homens feitos vocês vão sentir falta dessa época!

Não adianta falar, ela sabe. Mas como boa mãe que é, fala mesmo assim e repete tantas vezes quanto forem necessárias para ver se coloca um pouco de juízo na cabeça de seus meninos. Ora vejam, tratando como meninos seus filhos com mais de quarenta anos, mas é assim mesmo, para si, eles serão para sempre as suas crianças. Ela fala porque sabe, aconteceu consigo, parecia que ainda ontem estava levando Osmar e Antônio na escola, então ela piscou, e hoje os dois já têm os próprios filhos, tão grandes, quase indo pra universidade. 

Antônio até parece que tem mais juízo, mas Osmar é da pá virada. Desde cedo o Mazinho era medonho. Era uma criança revoltada, ela não entendia, deu a ele amor, dedicação e educação, tudo igualzinho ao dedicado a Toninho, mas um saiu de um jeito e o outro diferente. Agora que já são homens feitos as personalidades não mudaram nadinha. Qualquer dia desses Mazinho vai ter um ataque do coração, já avisou isso a ele.

-Meu filho, os médicos andam dizendo na TV que esse tal de estresse mata. Pare com isso. Não se exalte por causa de um bando de político ladrão. Eles já roubaram, tá feito, deixe a justiça cuidar disso agora. Agora você, se continuar desse jeito vai cair duro no chão qualquer dia desses. Pense com a cabeça, meu filho, e não com a emoção.


Já está velha, os filhos criados, os netos florescendo, mas ainda tem esperança, um dia o juízo entra na cabeça do filho, para que assim como ela, ele também possa ficar velho e repassar aos seus próprios filhos um pouco do que aprendeu pela vida afora.

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