Ensinar exige reconhecer que a educação é ideológica

[...] No exercício crítico de minha resistência ao poder manhoso
da ideologia, vou gerando certas qualidades que vão virando sabedoria
indispensável à minha prática docente. A necessidade desta resistência
crítica, por exemplo, me predispõe, de um lado, a uma atitude sempre
aberta aos demais, aos dados da realidade; de outro, a uma
desconfiança metódica que me defende de tornar-me absolutamente
certo das certezas. Para me resguardar das artimanhas da ideologia não
posso nem devo me fechar aos outros nem tampouco me enclausurar
no ciclo de minha verdade. Pelo contrário, o melhor caminho para
guardar viva e desperta a minha capacidade de pensar certo, de ver
com acuidade, de ouvir com respeito, por isso de forma exigente, é me
deixar exposto às diferenças, é recusar posições dogmáticas, em que
me admita como proprietário da verdade. No fundo, a atitude correta
de quem não se sente dono da verdade nem tampouco objeto
acomodado do discurso alheio que lhe é autoritariamente feito.
Atitude correta de quem se encontra em permanente disponibilidade a
tocar e a ser tocado, a perguntar e a responder, a concordar e a
discordar. Disponibilidade à vida e a seus contratempos. Estar
disponível é estar sensível aos chamamentos que nos chegam, aos
sinais mais diversos que nos apelam, ao canto do pássaro, à chuva que
cai ou que se anuncia na nuvem escura, ao riso manso da inocência, à
cara carrancuda da desaprovação, aos braços que se abrem para
acolher ou ao corpo que se fecha na recusa. É na minha
disponibilidade permanente à vida a que me entrego de corpo inteiro,
pensar crítico, emoção, curiosidade, desejo, que vou aprendendo a ser
eu mesmo em minha relação com o contrário de mim. E quanto mais
me dou à experiência de lidar sem medo, sem preconceito, com as
diferenças, tanto melhor me conheço e construo meu perfil
(FREIRE, 1996, p.128).
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