segunda-feira, 8 de maio de 2017

XII. Suplício/Capítulo I – O Corpo dos Condenados - Foucault

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[...] Os historiadores vêm abordando a história do corpo há muito

tempo. Estudaram-no no campo de uma demografia ou de uma

patologia históricas; encararam-no como sede de necessidades e de

apetites, como lugar de processos fisiológicos e de metabolismos,

como alvos de ataques microbianos ou de vírus: mostraram até que

ponto os processos históricos estavam implicados no que se poderia

considerar a base puramente biológica da existência; e que lugar se

deveria conceder na história das sociedades a “acontecimentos”

biológicos como a circulação dos bacilos, ou o prolongamento da

duração da vida. Mas o corpo também está diretamente mergulhado

num campo político; as relações de poder têm alcance imediato sobre

ele; elas o investem, o marcam, o dirigem, o supliciam, sujeitam-no a

trabalhos, obrigam-no a cerimônias, exigem-lhe sinais. Este

investimento político do corpo está ligado, segundo relações

complexas e recíprocas, à sua utilização econômica; é, numa boa

proporção, como força de produção que o corpo é investido por

relações de poder e de dominação; mas em compensação sua

constituição como força de trabalho só é possível se ele está preso

num sistema de sujeição (onde a necessidade é também um

instrumento político cuidadosamente organizado, calculado e

utilizado); o corpo só se torna força útil se é ao mesmo tempo corpo

produtivo e corpo submisso. Essa sujeição não é obtida só pelos

instrumentos da violência ou da ideologia; pode muito bem ser direta,

física, usar a força contra a força, agir sobre elementos materiais sem

no entanto ser violenta; pode ser calculada, organizada, tecnicamente

pensada, pode ser sutil, não fazer uso de armas nem do terror, e no

entanto continuas a ser de ordem física. Quer dizer que pode haver

um “saber” do corpo que não é exatamente ciência de seu

funcionamento, e um controle de suas forças que é mais que a

capacidade de vencê-las: esse saber e esse controle constituem o que se

poderia chamar a tecnologia política do corpo. Essa tecnologia é

difusa, claro, raramente formulada em discursos contínuos e

sistemáticos; compõe-se muitas vezes de peças ou de pedaços; utiliza

um material e processos sem relação entre si. O mais das vezes, apesar

da coerência de seus resultados, ela não passa de uma instrumentação

multiforme. Além disso seria impossível localizá-la, quer num tipo

definido de instituição, quer num aparelho do Estado. Estes recorrem

a ela; utilizam-na, valorizam-na ou impõem algumas de suas maneiras

de agir. Mas ela mesma, em seus mecanismos e efeitos, se situa num

nível completamente diferente. Trata-se de alguma maneira de uma

microfísica do poder posta em jogo pelos aparelhos e instituições, mas

cujo campo de validade se coloca de algum modo entre esses grandes

funcionamentos e os próprios corpos com sua materialidade e suas

forças. [...] 

(FOUCAULT, 1987, p.25s).

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