Ela andava de um lado para o outro, seria necessário
escolher. Agora na casa dos seus 30 e poucos anos sentia-se pressionada. De um
lado estava o filho doente e hospitalizado e do outro lado ficava o trabalho em
que investiu anos de sua vida para construir a carreira. Não existiria um meio
termo, teria mesmo que escolher em qual dos dois se dedicaria integralmente?
Mulher
casada, resolvida emocionalmente, e bem sucedida na vida profissional decide ter
um filho. Sua expectativa é de que essa criança venha a complementar a vida do
casal, o fruto do amor. Teve uma gravidez tranqüila, seu corpo reagiu bem
durante todas as etapas da gestação. O marido mostrou-se mais uma vez um grande
companheiro. Amigos e família felizes. No trabalho começam os burburinhos a
respeito de sua carreira, voltaria a trabalhar após a licença maternidade? Caso
ela resolvesse voltar, depois de tanto tempo fora, será que seu cargo ainda
estaria disponível? A vida familiar era um paraíso e o ambiente de trabalho uma
selva.
Antes de
engravidar ela pesquisou a respeito da vida das mulheres após se tornarem mães,
os rumos que adotavam para equilibrar sua vida com a chegada do bêbe. Escolher
entre trabalhar e cuidar do filho nunca foi uma opção. Colocaria a criança em
uma creche e continuaria trabalhando normalmente, assim como milhares de outras
mães fazem.
Porém as
coisas mudam e fazer planos antes de ter o filho nos braços é mais simples do
que quando ele requer sua atenção permanente. Henrique nasceu e algo dentro
dela mudou profundamente, seu instinto materno aflorou. Agora não pensava mais
nela e em suas vontades, o menino tornou-se sua prioridade. Depois de um tempo
voltou ao trabalho. A rotina era acordar, dar de mamar, arrumar as bolsas de
Henrique, colocar o café da manhã na mesa, comer correndo, mal conversar com o
marido e sair de casa. Deixava o filho na creche e migrava para o trabalho.
Saía do trabalho e passava na creche buscar Henrique e rumava ao supermercado.
Carregava um monte de sacolas no carro e ia para casa. Em casa enquanto o
marido preparava o jantar ela dava banho no filho, depois ia dar uma ajeitada
na casa e lavar uma pilha imensa de roupas. O jantar ficava pronto e enquanto
comia dividia sua atenção entre o filho, o marido e a máquina de lavar. Assim
como dormir ininterruptamente oito horas por noite, sentar-se à mesa e apenas
comer também tinha deixado de ser uma opção.
O
problema começou mesmo quando Henrique começou a ficar doente a todo instante.
A cada dia que o buscava na escolinha a professora lhe informava um sintoma que
ele apresentou durante o dia. Ela já sabia o que isso significava, alteração na
rotina e em todos os planos que pudesse ter feito para aquela noite, semana ou
mesmo mês. Em dias assim ela sabia que se o quadro piorasse teria que procurar
por ajuda médica, passaria a noite toda na emergência de um hospital. No dia
seguinte deixaria um Henrique muito mal humorado e doente na escolinha e
seguiria sem dormir para o trabalho, não renderia metade do que poderia, pois
passaria parte do tempo com sono e a outra parte pensando na saúde do filho. O
marido? Não sabia, fazia dias que não o via e nem falava com ele direito.
Tudo não
passa de uma fase, era o que todos diziam, daqui a pouco ele vai estar maior e
tudo volta ao normal. Mas esse dia nunca chegava, ela se sentia como um zumbi,
indo de um lado para o outro e fazendo coisas que precisava fazer. Estava
cansada, muito cansada. Ficava irritada por qualquer motivo e o relacionamento
com o marido começou a rolar ladeira a baixo, brigavam muito e cada dia mais.
Primeiro sua ausência, depois as contas e por fim por qualquer coisa. Tinha
dias que preferiam nem se falar para evitar um desgaste que sabiam ser
inevitável. Ele também estava cansado, muito cansado.
Antes de
levar Henrique para o hospital naquela noite, ela teve uma crise nervosa. O
filho não parava de chorar, ela já estava a quase duas noites sem dormir e não
sabia mais o que fazer. Foi para o quarto e sufocou um grito no travesseiro. O
marido entra no quarto e a abraçou, ele também não sabe mais o que fazer. Estão
ambos perdidos. Os dois têm pela primeira vez uma conversa séria a respeito das
opções que possuem para voltar a ter qualidade de vida. Ele lhe diz que fez
algumas contas e quem sabe se ela ficasse em casa, se dedicando a família?
Economizariam até. Seria um carro a menos para abastecer todos os dias, não
teriam gasto com escolinha, cortariam a empregada doméstica e tantas outras
coisas. Todos teriam mais tempo para si e para o conjunto. Abrir mão da
carreira, do seu dinheiro, para se tornar uma dona de casa? Ele só podia estar
brincando! Brigaram mais uma vez. Henrique passou mal e ela o levou correndo
para o hospital, onde estava até agora, do marido não tinha noticias.
Entretanto,
agora que a poeira baixou, e estava ali segurando o filho no colo, pensava nas
palavras do marido com mais clareza, começou a se questionar se ele realmente
não tinha razão. Ficou admirada ao se dar conta de que ela tinha uma opção para
tornar o ambiente familiar mais harmônico e sadio e então ficou grata por isso.
Se o filho tivesse uma saúde melhor, se ela não ficasse tão estressada no
trabalho, se tivesse mais tempo para si e tudo isso não estivesse afetando a
felicidade do seu casamento, quem sabe jamais precisasse pensar em fazer uma
escolha. Mas a vida real não era da forma como ela tinha planejado. Sentia-se
desmoronando. Precisava reduzir o ritmo ou enlouqueceria. Pensou então nas
pobres mães que precisam criar seus filhos sozinhas e não podem simplesmente
abandonar seus empregos. Precisam seguir firmes em seu propósito de criar os
filhos custo o que custar, mesmo que isso signifique renunciar sua própria
saúde.
Riu ao perceber que o mundo
tinha evoluído tanto e as mulheres conquistado muitos direitos, trabalhar fora
e ganhar seu próprio dinheiro faziam parte disso. Mas no momento de fazer
renuncias em nome da família, na maioria das vezes elas é que precisavam escolher
entre uma coisa ou outra. O marido nem sequer cogitou a hipótese de ele mesmo
abandonar sua carreira e ser o cuidador do lar. Essa seria uma escolha dela e
todas as conseqüências também seriam de responsabilidade dela? O que fazer
então? Ser um pouco mais forte e esperar essa fase ruim passar? Separar-se?
Procurar um tratamento psiquiátrico? Abandonar o emprego?
Sem saber o que fazer ela
simplesmente aproveita que o filho finalmente dormiu para que ela também possa
tirar um cochilo na cadeira dura onde está sentada.
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