sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Escolhas

            Ela andava de um lado para o outro, seria necessário escolher. Agora na casa dos seus 30 e poucos anos sentia-se pressionada. De um lado estava o filho doente e hospitalizado e do outro lado ficava o trabalho em que investiu anos de sua vida para construir a carreira. Não existiria um meio termo, teria mesmo que escolher em qual dos dois se dedicaria integralmente?
            Mulher casada, resolvida emocionalmente, e bem sucedida na vida profissional decide ter um filho. Sua expectativa é de que essa criança venha a complementar a vida do casal, o fruto do amor. Teve uma gravidez tranqüila, seu corpo reagiu bem durante todas as etapas da gestação. O marido mostrou-se mais uma vez um grande companheiro. Amigos e família felizes. No trabalho começam os burburinhos a respeito de sua carreira, voltaria a trabalhar após a licença maternidade? Caso ela resolvesse voltar, depois de tanto tempo fora, será que seu cargo ainda estaria disponível? A vida familiar era um paraíso e o ambiente de trabalho uma selva.
            Antes de engravidar ela pesquisou a respeito da vida das mulheres após se tornarem mães, os rumos que adotavam para equilibrar sua vida com a chegada do bêbe. Escolher entre trabalhar e cuidar do filho nunca foi uma opção. Colocaria a criança em uma creche e continuaria trabalhando normalmente, assim como milhares de outras mães fazem.
            Porém as coisas mudam e fazer planos antes de ter o filho nos braços é mais simples do que quando ele requer sua atenção permanente. Henrique nasceu e algo dentro dela mudou profundamente, seu instinto materno aflorou. Agora não pensava mais nela e em suas vontades, o menino tornou-se sua prioridade. Depois de um tempo voltou ao trabalho. A rotina era acordar, dar de mamar, arrumar as bolsas de Henrique, colocar o café da manhã na mesa, comer correndo, mal conversar com o marido e sair de casa. Deixava o filho na creche e migrava para o trabalho. Saía do trabalho e passava na creche buscar Henrique e rumava ao supermercado. Carregava um monte de sacolas no carro e ia para casa. Em casa enquanto o marido preparava o jantar ela dava banho no filho, depois ia dar uma ajeitada na casa e lavar uma pilha imensa de roupas. O jantar ficava pronto e enquanto comia dividia sua atenção entre o filho, o marido e a máquina de lavar. Assim como dormir ininterruptamente oito horas por noite, sentar-se à mesa e apenas comer também tinha deixado de ser uma opção.
            O problema começou mesmo quando Henrique começou a ficar doente a todo instante. A cada dia que o buscava na escolinha a professora lhe informava um sintoma que ele apresentou durante o dia. Ela já sabia o que isso significava, alteração na rotina e em todos os planos que pudesse ter feito para aquela noite, semana ou mesmo mês. Em dias assim ela sabia que se o quadro piorasse teria que procurar por ajuda médica, passaria a noite toda na emergência de um hospital. No dia seguinte deixaria um Henrique muito mal humorado e doente na escolinha e seguiria sem dormir para o trabalho, não renderia metade do que poderia, pois passaria parte do tempo com sono e a outra parte pensando na saúde do filho. O marido? Não sabia, fazia dias que não o via e nem falava com ele direito.
            Tudo não passa de uma fase, era o que todos diziam, daqui a pouco ele vai estar maior e tudo volta ao normal. Mas esse dia nunca chegava, ela se sentia como um zumbi, indo de um lado para o outro e fazendo coisas que precisava fazer. Estava cansada, muito cansada. Ficava irritada por qualquer motivo e o relacionamento com o marido começou a rolar ladeira a baixo, brigavam muito e cada dia mais. Primeiro sua ausência, depois as contas e por fim por qualquer coisa. Tinha dias que preferiam nem se falar para evitar um desgaste que sabiam ser inevitável. Ele também estava cansado, muito cansado.
            Antes de levar Henrique para o hospital naquela noite, ela teve uma crise nervosa. O filho não parava de chorar, ela já estava a quase duas noites sem dormir e não sabia mais o que fazer. Foi para o quarto e sufocou um grito no travesseiro. O marido entra no quarto e a abraçou, ele também não sabe mais o que fazer. Estão ambos perdidos. Os dois têm pela primeira vez uma conversa séria a respeito das opções que possuem para voltar a ter qualidade de vida. Ele lhe diz que fez algumas contas e quem sabe se ela ficasse em casa, se dedicando a família? Economizariam até. Seria um carro a menos para abastecer todos os dias, não teriam gasto com escolinha, cortariam a empregada doméstica e tantas outras coisas. Todos teriam mais tempo para si e para o conjunto. Abrir mão da carreira, do seu dinheiro, para se tornar uma dona de casa? Ele só podia estar brincando! Brigaram mais uma vez. Henrique passou mal e ela o levou correndo para o hospital, onde estava até agora, do marido não tinha noticias.
            Entretanto, agora que a poeira baixou, e estava ali segurando o filho no colo, pensava nas palavras do marido com mais clareza, começou a se questionar se ele realmente não tinha razão. Ficou admirada ao se dar conta de que ela tinha uma opção para tornar o ambiente familiar mais harmônico e sadio e então ficou grata por isso. Se o filho tivesse uma saúde melhor, se ela não ficasse tão estressada no trabalho, se tivesse mais tempo para si e tudo isso não estivesse afetando a felicidade do seu casamento, quem sabe jamais precisasse pensar em fazer uma escolha. Mas a vida real não era da forma como ela tinha planejado. Sentia-se desmoronando. Precisava reduzir o ritmo ou enlouqueceria. Pensou então nas pobres mães que precisam criar seus filhos sozinhas e não podem simplesmente abandonar seus empregos. Precisam seguir firmes em seu propósito de criar os filhos custo o que custar, mesmo que isso signifique renunciar sua própria saúde.
Riu ao perceber que o mundo tinha evoluído tanto e as mulheres conquistado muitos direitos, trabalhar fora e ganhar seu próprio dinheiro faziam parte disso. Mas no momento de fazer renuncias em nome da família, na maioria das vezes elas é que precisavam escolher entre uma coisa ou outra. O marido nem sequer cogitou a hipótese de ele mesmo abandonar sua carreira e ser o cuidador do lar. Essa seria uma escolha dela e todas as conseqüências também seriam de responsabilidade dela? O que fazer então? Ser um pouco mais forte e esperar essa fase ruim passar? Separar-se? Procurar um tratamento psiquiátrico? Abandonar o emprego?

Sem saber o que fazer ela simplesmente aproveita que o filho finalmente dormiu para que ela também possa tirar um cochilo na cadeira dura onde está sentada. 

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