quinta-feira, 25 de setembro de 2014

A fila do relógio ponto

          Acordam cedo. Colocam seus uniformes e vão trabalhar. A maioria vem os ônibus que a empresa freta para o transporte dos funcionários. Entre os sacolejos do translado alguns dormiram. Um exército enfileirado de sonolentos se acumula ao lado do relógio ponto. Enquanto esperam para adentrar ao seu campo de batalhas, os nobres soldados industriais fazem demonstrações de seus vastos conhecimentos políticos, econômicos e sociais. Em seus comentários eruditos ninguém é poupado. Argumentam contra e a favor desde à postura da presidenta Dilma frente aos conflitos com os rebeldes na Síria até a qualidade da limpeza dos banheiros de uso comum. São juizes implacáveis.
            Sobre as eleições as opiniões se dividem, a única unanimidade é a de que todos têm opiniões. Um salve à democracia. Aécio merece ganhar porque é ele quem vai manter as indústrias brasileiras funcionando e será o santíssimo intercessor que trará os investidores do setor privado para depositar seu sagrado dinheiro em nossa terra. Ao mesmo tempo será um sacrilégio se este mesmo Aécio assumir o poder supremo, pois acabará com todos os direitos do povo a ferias, FGTS e aposentadoria. Um terror, um terror. Retornaremos ao tempo da escravidão com Aécio. Tirem o mineiro do páreo.
            Marina é a pobre menina que dividia um ovo com os irmãos enquanto os pais passavam fome. Coitadinha, bem seria merecido que assumisse a presidência para novamente uma mulher assumir o comando e não perdermos a originalidade de a chamarmos de presidenta. Mas aparenta fragilidade e o povo não gosta de gente fraca. Ela não terá o pulso firme o suficiente para assumir um cargo tão importante, defendem algum. Deve-se dizer  que esses mesmos argumentadores tão convictos de sua fraqueza são os mesmos que se emocionaram, talvez até tenha escorrido uma lagrimazinha, quando Marina, a menina magricela, falou sobre o ovo e cebolas em seu horário eleitoral. O povo e seus conflitos internos.
            Resta Dilma, a poderosa. Ninguém quer o PT, mas todos querem os incentivos e donativos que eles proporcionam ao povo. Grave questão. Perfeita seria uma mudança no nome do partido. Não gostam de Dilma, mas ela fala forte e passa convicção. Como seria para o pobre povo passar quatro anos sem sua intervenção. Assumiria o poder a turma de Aécio com suas chibatas a descerem sobre o lombo do trabalhador? O medo. Ah, o medo! Quer manter um ser cativo, imponha-lhe o medo de mudar. Pois então que fique a Dilma, pelo menos dela já sabemos o que esperar. Chega-se finalmente a um consenso.
            Assim, nesses cinco minutos que antecedem o som ensurdecedor da sirene que avisa aos soldados que já é momento de assumir seu posto e começar sua produção, é possível ao cidadão mais desinformado inteirar-se de política e tantas outras mazelas importantes para a vida e o bom convívio social. Rende o assunto. Da fila é possível tirar conversa para um dia todo de trabalho, posto que seria impossível iniciar um debate tão emocionante e perpetuá-lo por meros cinco minutos.

            Quer ficar bem informado? Esqueça o Jornal Nacional. Chegue cedo às redondezas do relógio ponto. Espiche suas orelhas e delicie-se com a fartura de entretenimento.

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