segunda-feira, 29 de setembro de 2014

O motorista do carrinho cor de rosa

Estão sentados lado a lado na escada da porta de entrada da casa. Ela oferece a ele sua boneca Barbie e o convida para participar da brincadeira. Não tem mistério, vão trocar as roupas das bonecas, pentear seus cabelos, passear com o carrinho cor de rosa para lá e para cá. Ele não tem certeza se é correto participar dessa brincadeira em um universo rosa e tão isento de violência. Está acostumado com seus brinquedos violentos em tons de azul, suas espadas e vídeo games de lutas. Ele dá uma espiada para os lados a fim de se certificar que nenhum amigo da escola está nas redondezas. Barra limpa, pode bancar o motorista da madame.
Enquanto as crianças brincam, se aproximam delas os pais. O pai dele caminha lado a lado com o pai dela, quando ele vê o filho brincando de igual para igual com a menina, sente-se desmoralizado. Seu ímpeto é logo de dar uma dura no garoto. Menino não brinca de casinha e fim de papo. Mas ali, na frente do amigo, não pode dar esse vexame, precisa se controlar.
- Filho, vem cá! Vamos jogar um futebolzinho com o pai?
O menino só balança a cabeça em sinal de negação. Está gostando da brincadeira. O outro pai percebeu o desconforto do amigo. Só tinha essa menina como filha. Ao contrário dele, ele não sabia como era viver em um universo infantil que não contivesse o cor de rosa.
- Deixa disso filho, vamos fazer uma coisa de homem! – exaspera-se o pai do menino já sem muita paciência. Não teria um filho gay sem antes lutar para transforma-lo em homem.
            Novamente o garoto recusa a mudança de brincadeira. Seu pai perde totalmente a paciência.
            - Levanta logo daí e vamos para casa! Filho meu não tem dessas viadagens!
            Se o menino soubesse o que significava a palavra viadagem talvez até se sentisse ofendido, mas a única linguagem que conseguia compreender era a de que seu pai estava enfurecido somente por ele estar brincando com a sua amiguinha.
            A menina, que também estava gostando da brincadeira, usa de sua sensatez infantil:
            - Tio, não vai embora! Vem aqui brincar com a gente!
            O pai dela que não era bobo nem nada, aproveitou a deixa para esfriar os ânimos. Sentou ao lado da filha e praticou com delicadeza a arte de educar através do exemplo, sejam as crianças ou os adultos.
            O homem fica sem jeito ao ver o amigo tão à vontade com as brincadeiras da filha. Resistindo um pouco ele aceita participar também. O menino era o motorista do carrinho rosa e seu pai o mordomo, ela era a maquiadora e o seu pai seu modelo de testes.
            Quando já era noite e todos foram para casa, o garoto agradece ao pai pela diversão. Finalmente esse pai descobre que a cor de um carrinho ou o tipo de brincadeira não definem a orientação sexual de ninguém, pelo simples fato de que não se trata de uma opção. 

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